Em 1988, eu estava prestes a
entrar na faculdade e era um sujeito musicalmente radical. Num dia qualquer, li
em algum lugar sobre uma banda de Boston (EUA) que estava se tornando a grande
sensação do rock independente no planeta (na época, chamavam de ‘alternative
rock’). O nome era Pixies...
A extinta revista Bizz então
publicou uma resenha colocando ‘Surfer Rosa’ - o álbum de estreia do quarteto e que comemora 30 anos neste dia 21 de março - no topo do mundo. Por um milagre da
natureza, a BMG Ariola lançou o disco por aqui.
Achei o vinil numa loja da
Mesbla e comprei na hora. Quando cheguei em casa e coloquei aquela belezinha
pra tocar na minha vitrola, entrei em estado de choque.
O baixo cavalar e a bateria
zeppeliana de ‘Bone Machine’, a música que abria o disco, me deixou atordoado. Era
como se a banda punk Husker Dü resolvesse fazer hard rock com versos surrealistas.
“Eu estava conversando com um padre sobre
beijinhos/ Ele me comprou um refrigerante/ E tentou me molestar no
estacionamento’, dizia a letra escrita por Black Francis, gordinho freak e
gênio dessa porra toda. Lembre-se que anos
depois, Boston, cidade católica, foi cenário do maior escândalo de pedofilia da
história da igreja nos EUA.
Esquizofrenia
Depois seguem ‘Break My Body’,
as insanas ‘Something Against You’ e ‘Broken Face’ e a magistral ‘Gigantic’,
escrita e cantada lindamente pela baixista Kim Deal, que assinava ‘Mrs John Murphy’ à
época. O lado A encerra com a ‘River Euphrates’, com a guitarra esquizofrênica de
Joey Santiago surtando.
O lado B abre com ‘Where’s
My Mind?’, hino dos desmiolados de todo o planeta. É uma daquelas músicas que
coloca Black Francis entre os grandes do rock mundial. Influenciou praticamente
todo o mundo indie dos anos 90.
Aliás, ‘Surfer Rosa’ é uma
espécie de Bíblia para quem quiser entender a música pré-internet. Kurt Cobain
nunca escondeu sua paixão pelo disco e tudo o que ele aprendeu com o Pixies
está em ‘Nevermind’.
David Bowie, que também adorava
a banda de Boston e regravou 'Cactus' (segunda do lado B de 'Surfer Rosa'), ficou chocado quando ouviu ‘Smell Like Teen Spirit’ pela
primeira vez. Para ele, uma cópia descarada da ”dinâmica Pixies”.
Polêmicas à parte, a
influência do disco está presente em grupos como Weezer, Smashing Pumpkins,
Radiohead, White Stripes e a deusa P.J. Harvey, só pra citar os mais famosos. O
produtor do disco, o mal humorado Steve Albini, tornou-se uma espécie de Phil Spector da
época e foi convidado a gravar um monte de gente, inclusive Nirvana.
De minha parte, o disco simplesmente
mudou tudo. Foi graças a Surfer Rosa que passei a prestar a atenção em
bandas como Led Zeppelin e Beach Boys. E foi ali que comecei a entender que era
possível ser pop e maluco. Enfim, um clássico.