Sim, gente amiga, Saturno Pop
também organizou uma lista dos melhores do ano. A diferença é que em tempos
virtuais, resolvemos resumir as escolhas pra não encher o saco do leitor com
aquelas listas intermináveis de discos e artistas que quase ninguém conhece.
Nesta seleção minimalista,
os veteranos mais uma vez ganharam destaque entre as melhores coisas lançadas
nesse ano problemático, caótico e crítico em nossas vidas. Vamos lá:
DISCO DO ANO: Wooden Shjips –
V
Não parei de ouvir esses
caras desde que lançaram seu quinto disco em maio passado. ‘V’ é psicodélico,
mas não é retrô, tem um frescor crocante e saboroso, para se ouvir numa
autoestrada em direção a Marte.
MÚSICA DO ANO: ‘Relax’ –
Kassin
Alexandre Kassin é mais
conhecido por seu trabalho como produtor dos discos dos Los Hermanos, mas o
cara compõe e também grava material próprio. A faixa ‘Relax’ dá título ao seu
novo disco e a um clipe engraçadíssimo. Veja aqui:
SHOW DO ANO: Nick Cave &
The Bad Seeds – Espaço das Américas
Não tem pra ninguém, o show
de Nick Cave no Espaço das Américas em São Paulo foi algo perto do sublime. Uma
missa comandada por um anjo caído, tomado por amor, luto e redenção.
Sensacional!
REVIVAL DO ANO : MC50th
Wayne Kramer, o único
sobrevivente da formação original do grupo proto-punk MC5, de Detroit, juntou-se
a músicos do Soundgarden, Fugazi e King X para uma turnê celebrando os 50 anos
do lançamento do primeiro disco da banda, o maravilhoso ‘Kick Out The Jams’. Veja
que belezura:
DISCO COVER DO ANO: ‘Fudge
Sandwich’ – Ty Segall
Ty Segall é tão bom que até
um disco de covers fica bom em suas mãos. Destaque para a versão funk
garageira de ‘I’m a Man’ do Spencer Davis Group, o clima fantasmagórico de ‘Isolation’
(John Lennon), e a subversão punk rock de ‘The Loner’ (Neil Young). Ouçam aqui:
Este mês comemoram-se os 50 anos de um dos melhores e
mais anárquicos filmes nacionais de todos os tempos. Estou falando de 'O
Bandido da Luz Vermelha', dirigido por Rogério Sganzerla no auge de seus 22
aninhos.
Muito já se falou sobre esse filme, mas o fato é que ele
tinha tudo pra ser um fracasso retumbante.
Maluco, desrespeitoso, radical, pop e visceralmente terceiro mundista, o
longa inspirado na vida do criminoso João Acácio Pereira da Costa foi o que os
especialistas chamariam de um inesperado 'case de sucesso'.
Filmado na região da Boca do Lixo em São Paulo, terreno
fértil para a pornochachada anos depois, a 'fita' de Sganzerla levou milhares
de brasileiros ao cinema, contrariando a lógica de que película de autor era
prejuízo na certa em nosso país. Vide as obras consagradas porém pouco
lucrativas da turma do Cinema Novo.
Paulo Villaça encarnando o Bandido nas telas nacionais
Vaca Sagrada
Aliás, o sucesso de Sganzerla irritou ninguém menos do
que Glauber Rocha, vaca sagrada das igrejas cinemanovistas. Glauber esculachou
o jovem cineasta, dizendo que sua obra-prima era pastiche do cinema underground
novaiorquino, e chamou aquele novo movimento tupiniquim de 'cinema udigrudi'.
Inveja, claro!
Entrevistei Sganzerla em 1996 pra falar sobre João
Acácio, o verdadeiro Luz Vermelha que havia deixado a cadeia depois de 30 anos.
Por telefone, meu herói/cineasta se comunicava de um jeito meio estranho no quarto de um
hotel em Gramado, onde concorria a algum prêmio.
Comparei seu filme a 'Pulp Fiction' de Tarantino, a
sensação cinematográfica naqueles anos e Sganzerla não achou muita graça.
Começou um discurso mezo sócio-artístico-anárquico que me lembrou ninguém menos
do que o próprio Glauber Rocha, seu ídolo e nêmesis.
Rogério Sganzerla: diretor e roteirista do filme que lhe deu fama e glória
Reconhecimento
João Acácio foi logo depois assassinado em sua terra
natal, Joinville. Rogério Sganzerla, que
era catarinense, morreu de câncer em 2004, sentindo-se injustiçado e lembrado
sempre como o diretor de uma obra só. O que não é verdade, já que dirigiu
outros longas que, infelizmente, não chegaram ao reconhecimento de sua estréia.
O longa ganhou uma versão dirigida pela atriz e viúva de
Sganzerla, Helena Ignez, em 2010, chamada
'Luz das Trevas', mas nem me atrevi a ver. Clássico é cllássico, pô!
Conheci 'O Bandido da Luz Vermelha' graças ao disco
'Psicoacústica' do Ira! que era assumidamente influenciado pelo filme e trazia
trechos de áudios da película. Nunca mais fui o mesmo e meu amor pelo cinema
brasileiro começou ali, aos trancos e barrancos. Vida longa ao 'Bandido da Luz vermelha' e a
Rogério Sganzerla!!!
Se alguém me dissesse anos
atrás que bandas como Gang of Four e New Order fariam shows em Ribeirão Preto e
Uberlândia eu iria morrer de rir. Pois bem, essas duas verdadeiras referências
do pós-punk inglês vão estar ao vivo e a cores nos palcos do interior paulista
e mineiro neste final de mês.
A Gang of Four toca neste sábado,
dia 24, no Galpão de Eventos do Sesc Ribeirão Preto, e o New Order se apresenta
dia 30 na Arena Sabiazinho de Uberlândia. A coisa fica ainda mais
surreal se imaginarmos que o resto da turnê nacional desses dois ícones dos
anos 1980 se limita a metrópoles como São Paulo e Curitiba. E só.
Flashback
Veja bem, não estamos
falando de grupelhos gringos decadentes que resolvem reunir alguns hits meia
bomba pra festas flashbacks pelo Terceiro Mundo. G4 e NW juntos influenciaram
mais bandas no planeta do que toda a turma de Seattle e mais até do que grupos
como o Queen, por exemplo.
Para uma região tomada pela
música sertaneja e pelo cover, a presença dessas duas lendas britânicas merece
uma verdadeira procissão. Ambos foram pioneiros em suas áreas e deixaram um
legado único e permanente.
Funk punk
Vejamos a Gang of Four. Tudo
bem que hoje o quarteto de Leeds se resume ao genial guitarrista Andy Gill e um
trio de jovens que ele arrumou para substituir os parças Dave Allen (depois Sarah Lee), Jon King e
Hugo Burnham. Mas vê-los em ação tocando
clássicos como ‘Damaged Goods’, ‘At Home he’s a Tourist’, ‘To hell with
Poverty’ já vale muito mais do que o preço do ingresso (módicos 17 reais!!!!).
O ‘funk punk’ energético,
marxista e esquizofrênico do G4 influenciou muita gente: U2, New Model Army,
The Cure, Rage Against the Machine, Jesus Lizard, Rapture, Franz Ferdinand e
Artic Monkeys são alguns nomes lá fora que morrem de amores pelos caras. E por
aqui, grupos como Legião Urbana, Titãs, Mercenárias e Plebe Rude beberam na
fonte.
Manchester
New Order nem se fala.
Nascida das cinzas do Joy Division, a banda colocou a cidade de Manchester no
mapa mundial e tirou o pós-punk do underground para entregá-lo de bandeja ao grande
público. Isso tudo sem nunca abrir mão de sua originalidade e independência.
G4 e NW merecem total
reconhecimento pelo que representam para a música pop. Assisti-los longe dos
grandes centros pode ser um claro sinal de que nem tudo está perdido no deserto
cultural que persiste por essas plagas. Que as novas gerações de artistas e
produtores tenham esses shows como exemplo. Saravá!!!
Entre os primeiros shows
realizados por Nick Cave no Brasil em 1989 e seu retorno triunfal ao país domingo passado, existe um ‘vácuo’ de quase 30 anos.
Neste meio tempo, ele se apaixonou
por uma paulistana, casou, teve um filho brasileiro, viveu em São Paulo por
três anos, mudou-se para a Inglaterra, divorciou-se, casou de novo, foi pai de
gêmeos, perdeu um deles tragicamente, esteve presente em filmes e
documentários, escreveu uma penca de livros e gravou dezenas de discos.
O Brasil passou por Collor
de Mello, impeachment, Itamar Franco, Plano Real, FHC (duas vezes), Lula (duas
vezes), Dilma, impeachment (de novo), Michel Temer e mais uma vez estamos numa
sinuca de bico numa eleição polarizada e obscurantista.
Luto
Nick voltou ao nosso país
nesse ambiente de incertezas. O músico, que passou por um período de luto nos
últimos anos por causa da morte de um dos filhos, testemunhou (mais uma vez) as
nuvens cinzentas que pairam sobre nossas cabeças.
Neste cenário dantesco, não é de se admirar que o show que ele realizou domingo no Espaço das Américas em SP, parecia
mais como uma missa. Nick sempre foi um sujeito religioso, mas parece que nos
últimos anos, assumiu de vez a persona de um pastor de ovelhas desgarradas.
Elo
perdido entre Iggy Pop e Leonard Cohen, sua presença hipnótica no palco levou o
público à loucura, numa catarse dionisíaca e arrebatadora.
Amor e caos
O cantor disse mais de uma vez ao
microfone que estava rezando pelo Brasil, um país excepcional nas suas palavras,
mas o qual manteve uma distância segura por anos. Seu retorno bombástico ajusta
contas com um passado um tanto nebuloso.
O público foi facilmente seduzido
por esse fauno magrelo, de cabelos pintados e terno justíssimo. A tempestade
sonora de sua banda, a Bad Seeds, foi a trilha ideal para embalar
aqueles anjos decaídos, sedentos de amor e caos.
Ao contrário de Roger Waters,
tentou evitar temas políticos, mas o público o incitou a entoar o #elenao. Se
rendeu timidamente, talvez por compaixão àquela gente.
Beijo
Juro que no momento em que
Nick beijou um dos fãs que estava no palco ao seu lado, tive vontade de chorar. Aquilo pra mim foi simbólico, como se ele nos prepara-se para
o grande apocalipse que vem por aí.
Amém, irmão Nick, amém...
N da R.: A excelente foto que abre esse post é do fã David Nat, um dos sortudos convidados por Nick a subir ao palco durante o show em SP.
Fiquei sabendo que o ‘Álbum Branco’ dos Beatles vai ser relançado com
uma nova mixagem no mês que vem em comemoração aos 50 anos do disco. O trabalho
vem sendo feito por Giles Martin, filho de George Martin, produtor e arranjador
do grupo que era considerado o quinto beatle.
Sinceramente, como fã, não me empolguei com a notícia. Sinto cheiro de 'limpeza'
no ar. O ‘White Album’ tem uma textura ‘roots’, crua e indisciplinada que pode
se perder com essa tal ‘remixagem’ obviamente caça niqueis. O fato é que o
disco destoava da produção um tanto pomposa de George Martin naqueles anos.
Tanto que o produtor não gostou do resultado. Mas e daí?
Em cada canção do disco, estão presentes as cicatrizes da maior crise
já enfrentada pelos Beatles desde a morte do empresário Brian Epstein. Era o
começo do fim. Desde que John Lennon decidira acordar do limbo (leia-se
depressão) e retomar as rédeas da banda das mãos de Paul McCartney, o clima só
piorou. De quebra, Lennon ainda trouxe Yoko Ono a tiracolo.
Apesar da assinatura Lennon/McCartney ter se mantido, todas as
composições foram feitas separadamente. E foi assim até o término da banda,
dois anos depois.
Ringo debandou
A coisa estava tão ruim que Ringo deixou o grupo no meio das gravações.
Diz a lenda que McCartney, multi-instrumentista, assumiu as baquetas em algumas
canções como ‘Dear Prudence’. Claro que não foi creditado. Ringo só voltaria
depois de muita insistência e uma verdadeira festa de recepção com flores e
pedidos de desculpas no estúdio.
Para diminuir a hostilidade entre os quatro, George Harrison teve a
brilhante ideia de levar um amigo nas gravações, Eric Clapton. Funcionou
durante um breve momento já que, pelo menos enquanto Clapton estava por ali,
todo mundo se tratava cordialmente. Gostaram tanto dele, que o guitarrista
gravou os solos de ‘While My Guitar Gently Weeps’.
Irregular para alguns, genial para outros, o álbum ainda é um clássico
cheio de arestas, tensões e mal estar. Talvez ai resida seu charme: a arte que
surge do caos. E assim que deve ser lembrado, por isso, deixem-no em
paz!!!
Alguém já disse que o
artista de talento é ‘influenciado’ pelos seus ídolos. Já o gênio vai lá e
rouba as ideias dos outros na cara dura.
O fato é que quando o
assunto é música pop, não são poucos os casos de pilhagens envolvendo gente
graúda que teve que responder nos tribunais por plágio.
Um dos sujeitos mais
roubados na história do rock, por exemplo, foi Chuck Berry, o cara que praticamente
inventou essa porra toda. Por sorte, Chuck não levava desaforo pra casa.
Dois dos embates mais
célebres colocaram os Beach Boys e até os Beatles no banco dos réus. No
primeiro caso, Brian Wilson e cia copiaram ‘Sweet Little Sixteen’ inteira pra
escrever ‘Surfin’ in USA’. Berry acionou os advogados e seu nome foi creditado
como coautor da faixa.
Sinal de alerta
Anos depois, John Lennon
abriria o disco ‘Abbey Road’ dos Beatles com ‘Come Together’, e o sinal de
alerta de Chuck acendeu ao perceber similaridades com a sua ‘You Can’t Catch
Me’, lançada na década anterior.
Numa espécie de ‘acordo de
cavalheiros’, Lennon regravou a música em seu álbum de covers ‘Rock’n´Roll’,
lançado em 1975. Chuck faturou horrores em direitos autorais.
Inconsciente
Numa entrevista à Playboy
nos anos 1980, Paul McCartney disse que o Fab Four vivia roubando as ideias dos
outros sem o menor peso na consciência. Parece que eles levaram a prática para
suas carreiras-solo.
George Harrison, por
exemplo, teve que desembolsar uma grana alta por ‘plágio inconsciente’ de ‘He’s
So Fine’ do grupo vocal Chiffons. Ouça a música e veja de onde surgiu um dos
maiores sucessos de Harrison: ‘My Sweet Lord’.
Bucaneiros
Aliás, os ingleses são
verdadeiros bucaneiros neste ramo. Willie Dixon, parceiro de Chuck Berry nos
anos 1950, também foi pilhado por outra banda britânica: o Led Zeppelin. Seu
nome acabou creditado no clássico ‘Whole Lotta Love’ pela incrível semelhança
com ‘You Need Love’, lançada em 1963 pelo bluesman Muddy Waters.
Segundo os detratores, o Led
é um caso à parte quando o assunto é plágio. A banda recentemente foi acusada
de roubar os acordes iniciais de ‘Taurus’, do grupo psicodélico Spirit, para
escrever ‘Stairway to Heaven’. O processo não deu em nada.
Taj Mahal
Aqui no Brasil, um dos casos
mais famosos de plágio colocou Rod Stewart e Jorge Benjor em lados opostos. Rod
chupou ‘Taj Mahal’ descaradamente para a sua ‘D’ya know I’m sexy’. Jorge
processou, mas garante que até hoje não viu a cor da grana.
Lista grande
A lista é grande e temos
ainda casos envolvendo Kraftwerk X Afrika Bambataa (‘Trans Europe Express’/’Planet
Rock’), Michael Jackson X Manu Dibango (‘Wanna Be Starting Something/’Soul
Makossa’), Queen X Vanilla Ice (‘Under Pressure’/’Ice ice Baby'), The Verve X
Rolling Stones (‘Bitter Sweet Simphony’/’The Last Time’), Radiohead X The
Hollies (‘Creep’/’The Air That I Breathe’) e por ai vai.
Curioso é que existem ainda
exemplos de plágios descarados que, por camaradagem ou desapego mesmo, não
resultaram em nada.
Neste item, podemos incluir
o Nirvana que surrupiou os riffs iniciais de ‘Eighties’ do Killing Joke, na
música ‘Come as you are’, e os Strokes que tomaram emprestado ‘American Girl’
de Tom Petty, para o hit ‘Last Nite’.
E claro, a recente polêmica
entre Black Sabbath e a nossa Vanusa, em que os fãs da cantora brasileira juram
que os pais do heavy metal roubaram ‘What to Do’ para comporem ‘Sabbath Bloody
Sabbath’. Ambas foram lançadas em 1973, porém a canção de Vanusa saiu meses
antes.
Coincidência?
N. da R.: Para mais informações, tem uma reportagem bem legal que a repórter Daniela Fescina escreveu para a (recém-falecida) revista Mundo Estranho. Aqui: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/os-10-plagios-mais-famosos-da-musica/
Gosto de dizer que o melhor
do punk foi o pós-punk. Se bandas como Ramones e Sex Pistols deram um
basta aos excessos que estavam matando o rock e renovaram o estilo por meio de
um som primitivo, o futuro ainda era incerto. Sim, porque o lema dessa turma
era o ‘No future for you’.
Porém, uma nova geração de
bandas resolveu transformar a urgência punk em algo mais poético, sombrio e experimental. Nascia o
pós-punk. O ano zero desse fenômeno foi 1978, quando cabeças de chave do
movimento punk como Johnny Rotten, líder do Sex Pistols, resolveram mudar o
jogo.
Nevermind
Um ano depois de lançar o
explosivo ‘Nevermind the Bollocks’, Rotten abandonou os Sex Pistols, voltou a
usar seu sobrenome de batismo, Lydon, montou o PIL (Public Image Ltd.) e gravou um disco surpreendente: ‘Public Image – First Issue’.
Foi o bastante para que o
sujeito fosse tratado como Judas. Porém, ali estavam os elementos chaves do movimento
pós-punk: krautrock, baixo marcante, câmara de eco, guitarras entupidas de
efeitos e – suprema heresia – músicas imensas.
Manchester
Enquanto isso, no mesmo ano,
numa cidade feia e industrial do norte da Inglaterra, outra revolução se
pronunciava. Um jornalista chamado Tony Wilson montava a gravadora Factory e
transformava Manchester na Meca do pós-punk.
Wilson decidiu criar o selo
com o amigo Alan Erasmus depois de ver um show dos Sex Pistols, uniu-se a outro
maluco, o genial produtor Martin Hannett, e contratou bandas locais como o Joy
Division, Durutti Collumn e A Certain Radio.
Por toda ilha
Manchester é um capitulo a
parte nessa história toda. De lá ainda saíram bandas como Buzzcocks, Magazine, The
Fall, The Smiths, New Order, James e a turma da fase ‘Madchester’: Happy Mondays,
Charlattans, Stone Roses e, anos depois, o Oasis.
Enquanto isso, o pós-punk se espalhava por
toda Inglaterra nos anos 1980 e deu ao mundo grupos como The Cure, Bauhaus, Echo
& The Bunnymen, Gang of Four e Killing Joke. E, a não ser o Gang of Four,
todas essas bandas se formaram (adivinhem!) em 1978. Realmente um ano que marcou o rock mundial.
Dia desses, recebi uma
mensagem pelo inbox em que o sujeito dizia ter visto e curtido o blog graças a
um post sobre o californiano (e despirocado) Ariel Pink. Foi algo que também
incentivou meu interlocutor, que é músico, a enviar seu trabalho.
Nesse momento, descobri quem
era o carioca Felipe Oliveira e seu projeto indie chamado GAAX. O que me deixou
mais curioso foi o fato de Felipe fazer parte de um dos selos mais legais do
Brasil: o Transfusão Noise Records, lá do Rio de Janeiro.
Comandado pelo grão-mestre do
lo-fi tupiniquim Lê Almeida, a gravadora lançou um monte de gente bacana que
tem em comum o apreço pela psicodelia dos anos 90 e 2000, o pedal fuzz e letras
em bom português.
O disco mais recente de Lê,
‘Todas as Brisas’, é uma delicia e foi eleito por este colunista como um dos
melhores de 2016.
Campo dos Sonhos
Ouvi dois discos do GAAX e
gostei muito, principalmente ‘Campo dos Sonhos’, de 2015, produzido por Lê
Almeida. Ali estão escancaradas as principais influências de Felipe: Guided By
Voices, Pavement e o próprio Lê que também toca bateria na banda.
O segundo, ‘Senhor da
Ciência’, com 25 (!) músicas, foi registrado num gravadorzinho Taskam de quatro
canais e é lo-fi puro. Tosco e maluco, parece uma mistura de Daniel Johnston e
Captain Beefheart.
“O Gaax veio como uma forma
de manifestar sentimentos, ideias do processo criativo e da vida”, diz Felipe,
em entrevista por e-mail.
Ele conta que em 2013, tinha uma banda chamada
Suite Parque junto com o Lê Almeida e Evandro Fernandez (Carpete Florido). Na época,
Lê deixou a tal mesa Tascam de quatro canais com ele, a qual começou a utilizar para
compor e gravar com mais frequência.
“Essas músicas já não
entravam bem no Suite Parque, foi quando surgiu a necessidade do Gaax existir”,
informa.
Incentivo
Felipe diz que desde o
início Lê Almeida o incentivou. O resultado foi a gravação, produção e
lançamento de seus discos pela Transfusão Noise. Se não bastasse, o dono do
selo ainda toca bateria na banda.
“Trabalhar com a Transfusao
é muito motivador para mim, tanto pela questão de afinidade sonora quanto pela
liberdade que tenho com eles. A galera é super amiga e se preocupa um com os
outros. Isso torna uma energia linda nas gravações e nos shows”, garante.
Mas por causa da crise que
afeta o Rio de Janeiro, o músico veio para Ribeirão Preto onde vive há dois
anos com a esposa. E, além das praias ensolaradas, deixou para trás os
companheiros de banda.
Mas isso não desanimou Felipe
que já sonha em lançar o quarto disco da banda em breve.
“Estou com musicas prontas
para gravar desde o ano passado, mas não tive tempo de ir no Rio ainda. Iremos
gravar no Escritório, que é a base da Transfusão Noise Records”, diz.
Quem viver verá (e ouvirá)! Por enquanto, ouça 'Campo dos Sonhos' na integra no link abaixo...
Um festival de música feito no
interior paulista, no muque, sem leis de incentivo ou dinheiro público chega a
sua 28ª edição com uma programação invejável. O Forró da Lua Cheia, sediado numa
fazenda da pacata Altinópolis, região de Ribeirão Preto (SP), e realizado nesse
final de semana, é um exemplo de empreendedorismo e longevidade.
Criado pelo empresário e
fazendeiro Edgard Meirelles nos longínquos anos 1980, o que era para ser uma
festa entre amigos, tornou-se um dos maiores eventos culturais do Brasil fora-do-eixo.
A programação desse ano é a melhor
de todas as suas edições. Confira aí: Vanguart, Nação Zumbi, Emicida, Baiana
Sound System, Rincon Sapiencia, Bixiga 70 e o veterano Walter Franco são alguns
dos nomes que vão subir ao palco principal em quatro dias de festa.
Eu mesmo já toquei lá duas ou três e vezes com o Motormama e foi um dos poucos lugares deste país em que recebi o cachê com antecedência.
Mudança
O evento só melhorou com o tempo. Numa mudança
de proposta artística, seus organizadores conseguiram se distanciar do ranço
riponga e saudosista de outros anos para investir em novos nomes relevantes da
cena nacional.
Claro que os veteranos
continuam a dar o ar de sua graça, mas que outro festival traz o lendário e,
infelizmente, esquecido Walter Franco como atração de destaque?
Não é pouca coisa, principalmente numa
época de crise em que muitos eventos de música dita alternativa encerraram suas
atividades ou mudaram a ‘proposta’. Um bom exemplo é o (até então) celebrado
Tim Festival que anunciou uma guinada de 360 graus para uma vertente mais ‘popular’.
E dá-lhe sertanejo e axé.
Em
sua fanpage, Money Mark nos avisa que seu disco ‘Push the Button’ completa hoje
(sexta, 4 de maio) 20 anos. Rapaz, eu bem me lembro do momento em que comprei
esse disco numa das lojas da Galeria do Rock, em Éssepê. Foi como achar um
alfinete no palheiro.
Para
quem não sabe, Money Mark foi o tecladista dos Beastie Boys nos melhores
momentos do trio nova-iorquino. Ele está presente em clássicos como ‘Chech Your
Head’ e ‘Ill Comunication’, só pra dizer o mínimo.
Porém,
em 1998, o sujeito resolveu lançar ao mundo um pérola do ecletismo soul-indie
low-fi, o tal ‘Push the Button’. Traduzindo: Aperte o botão.
Era
o segundo álbum de Mark Ramos Nikita que contou com um time de feras do
underground de NY como colaboradores. Nomes como Sean Lennon, filho do homem,
Russel Simmins, batera da Jon Spencer Blues Explosion, e o produtor brasileiro
Mario Caldato Jr. dão o ar de suas graças nessa obra-prima.
Aula
Money
Mark dá uma aula de como é possível fazer um disco simples e, ao mesmo tempo,
criativamente explosivo. Apesar de sua ligação com o hip-hop, o músico não se limita a nenhum gênero em
especial em ‘Push the Button’.
Há
espaço para o indie, para o funk-soul, para a eletrônica vintage e até mesmo
para o folk-rock em temas como a linda ‘Rock in the Rain’. Aqui em casa, essa música
tornou-se praticamente um hino.
Entre
as canções de trabalho, está a sacolejante ‘Maybe I’m Dead’ que até ganhou
clipe na MTV, e ‘Hand in your Head’. Tente ouvi-las sem um sorriso no rosto.
É
incrível imaginar que Money Mark está praticamente esquecido pelo público
indie. Em sua página no Facebook, apenas alguns fãs lhe parabenizaram pelas
duas décadas de ‘Push the Button’. Pois aqui deixo minha homenagem a esse
grande álbum. Congrats, dude.
Em 1988, eu estava prestes a
entrar na faculdade e era um sujeito musicalmente radical. Num dia qualquer, li
em algum lugar sobre uma banda de Boston (EUA) que estava se tornando a grande
sensação do rock independente no planeta (na época, chamavam de ‘alternative
rock’). O nome era Pixies...
A extinta revista Bizz então
publicou uma resenha colocando ‘Surfer Rosa’ - o álbum de estreia do quarteto e que comemora 30 anos neste dia 21 de março - no topo do mundo. Por um milagre da
natureza, a BMG Ariola lançou o disco por aqui.
Achei o vinil numa loja da
Mesbla e comprei na hora. Quando cheguei em casa e coloquei aquela belezinha
pra tocar na minha vitrola, entrei em estado de choque.
O baixo cavalar e a bateria
zeppeliana de ‘Bone Machine’, a música que abria o disco, me deixou atordoado. Era
como se a banda punk Husker Dü resolvesse fazer hard rock com versos surrealistas.
“Eu estava conversando com um padre sobre
beijinhos/ Ele me comprou um refrigerante/ E tentou me molestar no
estacionamento’, dizia a letra escrita por Black Francis, gordinho freak e
gênio dessa porra toda. Lembre-se que anos
depois, Boston, cidade católica, foi cenário do maior escândalo de pedofilia da
história da igreja nos EUA.
Esquizofrenia
Depois seguem ‘Break My Body’,
as insanas ‘Something Against You’ e ‘Broken Face’ e a magistral ‘Gigantic’,
escrita e cantada lindamente pela baixista Kim Deal, que assinava ‘Mrs John Murphy’ à
época. O lado A encerra com a ‘River Euphrates’, com a guitarra esquizofrênica de
Joey Santiago surtando.
O lado B abre com ‘Where’s
My Mind?’, hino dos desmiolados de todo o planeta. É uma daquelas músicas que
coloca Black Francis entre os grandes do rock mundial. Influenciou praticamente
todo o mundo indie dos anos 90.
Aliás, ‘Surfer Rosa’ é uma
espécie de Bíblia para quem quiser entender a música pré-internet. Kurt Cobain
nunca escondeu sua paixão pelo disco e tudo o que ele aprendeu com o Pixies
está em ‘Nevermind’.
David Bowie, que também adorava
a banda de Boston e regravou 'Cactus' (segunda do lado B de 'Surfer Rosa'), ficou chocado quando ouviu ‘Smell Like Teen Spirit’ pela
primeira vez. Para ele, uma cópia descarada da ”dinâmica Pixies”.
Polêmicas à parte, a
influência do disco está presente em grupos como Weezer, Smashing Pumpkins,
Radiohead, White Stripes e a deusa P.J. Harvey, só pra citar os mais famosos. O
produtor do disco, o mal humorado Steve Albini, tornou-se uma espécie de Phil Spector da
época e foi convidado a gravar um monte de gente, inclusive Nirvana.
De minha parte, o disco simplesmente
mudou tudo. Foi graças a Surfer Rosa que passei a prestar a atenção em
bandas como Led Zeppelin e Beach Boys. E foi ali que comecei a entender que era
possível ser pop e maluco. Enfim, um clássico.