Dizem que Jerry Lewis
(1926-2017), que morreu no último domingo, era bem diferente dos personagens que
encarnou nas telas de cinema. Perfeccionista, rabugento e um baita de um chato
reacionário, passava longe do tipo desastrado de bom coração que aprendemos a
amar por décadas.
Filiado ao Partido
Republicano nos EUA, nos últimos anos, desembestou a falar mal de mulheres,
minorias e não escondia sua simpatia pelas bizarrices de Donald Trump. Uma de
suas últimas entrevistas, que bombou na internet meses antes de sua morte, é
puro constrangimento tamanho seu mau humor e falta de modos com o repórter.
Isso não desmerece em nada
seu incrível talento que por vezes, beirava a genialidade, como em ‘O Professor
Aloprado’. Porém, seu canto do cisne foi uma obra subestimada e que nada tinha
a ver com as comédias que o celebrizaram.
O Lewis do filme ‘O Rei da
Comédia’, lançado em 1982 e dirigido por Martin Scorsese, é tão amargo que
afugentou seus fãs mais ardorosos. Mas é memorável.
Ali tínhamos dois mundos
diferentes: de um lado, um Scorsese que um ano antes havia acabado de lançar
sua obra-prima, ‘O Touro Indomável’, e com a crítica e público beijando seus
pés. E do outro, um Lewis viciado em remédios, apresentando o Teleton e tentando
não se tornar uma peça de museu.
Fama
O resultado foi uma obra única
e devastadora sobre a fama e o culto a personalidade. No longa, Robert de Niro
é Rupert Pupkin, um candidato a humorista que, fracasso após fracasso, resolve
sequestrar um apresentador famoso, vivido por Jerry Lewis, para aparecer na TV.
Com atitudes que beiram a
sociopatia, De Niro tenta atrair a atenção do apresentador a todo custo. Jerry, que no filme interpreta um homônimo
(sacou o sarcasmo), passa da indiferença ao pavor absoluto, perante as investidas
de Pupkin.
A cena em que Lewis esbofeteia
a cumplice do sequestrador (Sandra Bernhard, ótima) é chocante, ainda mais se lembrarmos
de todos os personagens ‘fofos’ que ele interpretou ao lado de Dean Martin.
Enfim,
um papel corajoso e digno de um sujeito contraditório. Se puderem, assistam sem medo...